Lugar de gente que vive mais e melhor: os segredos de uma pequena cidade com IDH gigante

Sossego, espírito alegre e colaborativo, educação e cooperativismo: ingredientes que fazem Quatro Pontes, no Oeste do Paraná, ter o t...

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Lugar de gente que vive mais e melhor: os segredos de uma pequena cidade com IDH gigante

Sossego, espírito alegre e colaborativo, educação e cooperativismo: ingredientes que fazem Quatro Pontes, no Oeste do Paraná, ter o terceiro melhor IDH do estado

Marcamos de nos encontrar às 14h. Pelo telefone, ela já havia avisado: “esse é o horário do meu descanso depois do almoço, mas para receber vocês tudo bem”. Interrompemos a soneca do dia chegando um pouquinho mais cedo do que o combinado: “já estão aqui? Estava deitada, mas então vou levantar”. E mesmo com o cochilo pelas metades, dona Lucia Santina Dresch, de 91 anos, apareceu na porta de casa sorridente, serena, lúcida e receptiva.

Nem foi preciso começar a entrevista para entender porquê a cidade onde ela mora é tão bem vista quando o assunto é qualidade de vida. Bastou notar o sossego de uma tarde de quarta-feira ali, em Quatro Pontes, região Oeste do Paraná: silêncio, nenhum trânsito, moradores tranquilos com portões abertos e a chance de fazer aquilo que é o sonho de consumo de muitos habitantes de metrópoles por aí: dormir uma sonequinha pós-almoço.

A ciência já comprovou que a sesta tem total impacto no metabolismo. Um estudo recente publicado na revista científica americana General Psychiatry mostrou que deitar durante o dia, nem que seja só uns minutinhos, melhora a capacidade cognitiva. Das 2214 pessoas saudáveis com 60 anos ou mais avaliadas, as 1534 que disseram ter o hábito de tirar uma soneca vespertina tiveram pontuações mais altas na consciência, fluência verbal e memória.

Não que tenha sido esse o único fator que trouxe dona Lúcia tão bem até a casa dos 90, mas conversar com a senhorinha simpática de cabelos nevados nos fez comprovar a contribuição da paz do ambiente para essa longevidade: ela lembra de detalhes da sua história com nitidez, responde tudo com eloquência, mora sozinha e mantém pequenos afazeres domésticos, além de cultivar o passatempo de tricotar e produzir outras peças de artesanato. Na bagagem, conta com um diploma de Pedagogia conquistado quando já estava na terceira idade, além de ter um livro publicado.

No pacato cotidiano da pequena cidade de pouco mais de 3800 habitantes, a vida tem um ritmo que, aliado a outros pontos, faz do município o terceiro no ranking de maiores IDH’s do Paraná. O último Índice de Desenvolvimento Humano de Quatro Pontes foi de 0.791, menor apenas do que os índices de Curitiba e Maringá.

“Quando eu cheguei em Quatro Pontes em 1965, tinha aqui uma casinha de madeira, um estábulo, lugar para colocar os animais, um galpão, lavoura com milho, verdura. Quando vi isso, disse: ‘daqui eu só vou sair para o cemitério.’ E assim estou até hoje aqui, muito feliz. Porque onde a gente morava no Rio Grande do Sul nós só não passamos fome porque meus pais traziam comida e a gente lutava, mas a terra não era nada fértil. E aqui tudo que a gente plantava, a gente colhia. Agradeço a Deus por ter escolhido esse lugar”, se alegra dona Lúcia.

A origem

Para compreendermos mais a fundo o que faz essa pontuação ser tão boa, fomos para as raízes. Conversamos também com seu Antonio Rudi Leobet, o primeiro prefeito de Quatro Pontes, figura engajada com a vida em comunidade que conduziu o processo de emancipação da cidade, efetivamente concretizado só em 1993. Foi ali que o distrito de Marechal Cândido Rondon virou município e, desde então, a busca foi por trazer mais estrutura para o local, sem alterar as características culturais que conferem calmaria.

“Chegamos aqui não era nem uma vila, depois se transformou em distrito e em município. Acompanhei de perto e de forma muito ativa o processo de emancipação e fiz com muito gosto. Minha intenção como prefeito era equipar a ‘máquina’ para entregá-la rodando, funcionando. Buscar infraestrutura, construir o paço municipal, correr atrás do projeto de escolas e de posto de saúde”.

Para ele, conta muito para Quatro Pontes o fato de estar geograficamente bem localizada, com fácil acesso a outros municípios maiores e também de ter sido formada por pessoas muito trabalhadoras. Além disso, ele acredita que uma característica muito peculiar é um dos segredos da longevidade. “O pessoal daqui é muito alegre. Os imigrantes que formaram essa região sempre trouxeram essa característica e, na época, se divertiam muito, ainda mais do que hoje, porque não tinha televisão, internet, telefone. Então tinha muita festa. E isso faz diferença: a pessoa fica menos estressada e vive mais!”, sorri Rudi.

Conhecimento que realiza sonhos e projeta futuros

O IDHM brasileiro é composto pelas mesmas três dimensões do IDH Global – longevidade, educação e renda. Além de ser considerada a capital da longevidade, com o maior índice de longevidade do Paraná, com média de 83,1 anos segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Quatro Pontes também vai muito bem, obrigado, quando o assunto é a formação de cidadãos quatropontenses, já que o município tem no currículo o título de livre do analfabetismo. Parece simples, mas não é: ler e escrever ainda são tarefas impossíveis para milhões de brasileiros.

É aí que dona Lúcia volta a personificar esse índice. Depois de muito tempo adiando os sonhos individuais para criar os filhos, já na terceira idade, ela voltou para uma sala de aula: fez supletivo para completar o ensino fundamental e médio para então ter acesso à faculdade. Cursou Pedagogia aos 73 anos. “Depois que os filhos já estavam todos casados e eu estava sozinha, pensei: agora está na hora de realizar meu sonho. Em três anos de faculdade, só perdi três dias de aula. Fui bem recebida e até hoje tenho uma amizade muito agradável com os colegas. Não consegui exercer a profissão, mas foi um aprendizado muito grande mesmo assim. Agora tenho uma bisneta que não está indo muito bem na leitura e mesmo por telefone eu tento ajudá-la”, conta dona Lúcia, olhando com orgulho para as fotos de formatura.

Para ter acesso a uma sala de aula de graduação, dona Lúcia precisava pegar ônibus todos os dias para uma cidade vizinha, esforço feito com empolgação por quem, no passado, não teve como frequentar uma escola como as de hoje. O que ela deseja é que os jovens quatropontenses possam valorizar a estrutura de ensino que possuem atualmente. “Falaria para os jovens darem importância a uma vida digna, ao trabalho e a possibilidade de aprender. Ajudem seus pais e procurem estudar, porque o estudo ninguém rouba”.

O impacto do cooperativismo na qualidade de vida

Para “fechar a conta” do IDH, resta ainda analisar a parte econômica. A renda também pesa no índice, de acordo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: “A renda é essencial para acessarmos necessidades básicas como água, comida e abrigo, mas também para podermos transcender essas necessidades rumo a uma vida de escolhas genuínas e exercício de liberdades”.

É nesse contexto que a presença do cooperativismo passa a ter total correlação com a qualidade de vida das cidades. No Paraná, municípios que contam com cooperativas têm IDH mais alto, muito por conta da geração de empregos, do fomento à economia e de um dos princípios norteadores do sistema cooperativo: o interesse pela comunidade.”, elogia e agradece seu Rudi.

Um estudo recente do Sicredi, em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), traduziu isso em números. A pesquisa “Benefícios Econômicos do Cooperativismo de Crédito na Economia Brasileira” avaliou dados econômicos de todas as cidades brasileiras com e sem cooperativas de crédito entre 1994 e 2017 e cruzou informações do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE). A conclusão foi de que o cooperativismo incrementa o Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos municípios em 5,6%, cria 6,2% mais vagas de trabalho formal e aumenta o número de estabelecimentos comerciais em 15,7%, estimulando, portanto, o empreendedorismo local.

Os resultados estimados pelo Sicredi a partir do estudo consideraram o bom desempenho econômico de 1,4 mil municípios que passaram a contar com uma ou mais cooperativas durante o período de pesquisa. “Os métodos científicos desta pesquisa são os mesmos utilizados pela comunidade europeia para avaliar o impacto de políticas econômicas. Esses métodos demonstraram de forma profunda e tangível o que nós já sentimos e percebemos na prática: o impacto positivo da presença da cooperativa nas cidades”, destaca o diretor administrativo e financeiro do Sicredi Aliança, Alexandre Englert Barbosa.

Os cálculos do Sicredi, com base no estudo da Fipe, mostram um impacto agregado nestas cidades de mais de R$ 48 bilhões em um ano. Ainda, as cooperativas de crédito foram responsáveis pela criação de 79 mil novas empresas e pela geração de 278 mil empregos.

“O grande diferencial da cooperativa de crédito é que o associado é, de fato, o dono do negócio e, por isso, precisa estar presente nas discussões a respeito dos rumos da sua cooperativa. No Sicredi, o relacionamento mais próximo com os associados contribui para sermos muito mais eficientes em reconhecer a capacidade de pagamento no uso do crédito, por exemplo, e com isso conseguimos apoiar o desenvolvimento das pessoas e comunidades”, explica Manfred Alfonso Dasenbrock, presidente da SicrediPar.

Informação comprovada por quem vive e constrói esses números na prática. “O sistema financeiro de Quatro Pontes está na mão das cooperativas de forma muito organizada e isso faz com que a região fique sólida. A gente conhece as pessoas que fazem parte, são humildes, têm muito conhecimento e um relacionamento muito próximo. Sou associado há mais de 20 anos e acompanho a evolução da Sicredi. Eles fazem com que as pessoas sejam valorizadas, valorizam o local, privilegiando os moradores daqui. Sempre é bom prestigiar quem investe no lugar e o Sicredi investiu em patrimônio e em pessoas”, elogia e agradece seu Rudi.

*Este conteúdo pertence a Sicredi Aliança PR/SP, que apoia projetos sociais em prol do crescimento social. Saiba mais sobre nós aqui.

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