Sustentabilidade: bagaços da cana-de-açúcar, milho e beterraba se transformam em órtese Fix It

Startup Fix It, do Rio Grande do Norte, inova com órteses biodegradáveis, personalizadas e termomoldáveis, representando um grande passo rumo ...

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Sustentabi-
lidade: bagaços da cana-de-açúcar, milho e beterraba se transformam em órtese Fix It

Startup Fix It, do Rio Grande do Norte, inova com órteses biodegradáveis, personalizadas e termomoldáveis, representando um grande passo rumo à sustentabilidade

Você já quebrou alguma parte do seu corpo? O Felipe Costa Neves — CEO da startup Fix It — já, e sabe que não é nada tranquilo se recuperar de um trauma assim.

“Fui um menino bem sapeca”, relembra. Sapeca ao ponto de, na infância, ter fraturado o braço e o fêmur — o maior osso do corpo humano. “Foram três meses acamado. Fui um usuário assíduo do gesso”, brinca.

O material utilizado para imobilização era o único disponível na época. Anos depois, o próprio Felipe tratou de mudar essa história, liderando uma verdadeira revolução contra o gesso.

Na bagagem, Felipe tinha não apenas o conhecimento de causa por ter sido engessado por longos períodos, mas também o diploma e a experiência de fisioterapeuta. Ele começou a participar de eventos de startups e, no meio do emaranhado de ideias que brotam em locais assim, nasceu uma que vingou para valer: a Fix It, health tech de soluções de imobilização.

“Em um desses eventos conheci meu sócio, o biomédico Hebert Costa, que já trabalhava com impressão 3D. Ele já tinha o embrião da proposta, baseado em protótipos conceituais de outros países. Ali, nascia a versão 1.0 da Fix It”, detalha Felipe.

“Em um desses eventos conheci meu sócio”

O potencial da solução foi validado diversas vezes: a startup ganhou vários prêmios de inovação, participou do Shark Tank, o reality show de startups, e foi acelerada pela ACE e pela Braskem Labs.

Fortalecida, com mais de 25 modelos de imobilizadores articulares no portfólio para membros superiores e inferiores, e de volta à terra onde foi concebida, Natal/RN, a iniciativa celebra o crescimento de 350% no último ano e dá novos passos para escalonar a ideia.

A Fix It é o que, afinal?

Ela é uma órtese, mas seria muito simplista defini-la assim. Trata-se de uma alternativa a um velho conhecido, o gesso. Quem já precisou ser engessado por conta de alguma fratura sabe bem dos problemas comuns e desagradáveis: abafamento da região, acúmulo de sujeira e fungos, mau cheiro e impossibilidade de molhar as peças, uma vez que elas se deterioram no contato com qualquer líquido.

Imagine todos esses efeitos negativos somados à energia reprimida de um bebê que acabou de aprender a andar? Praticamente uma bomba-relógio, não é? Pablícia Aianne previa um período bem difícil quando a filha, Nicole, de um ano, não viu o degrau e caiu sobre o próprio braço. Engessada, nos dois primeiros dias, a dificuldade se confirmou. O alívio só veio quando ela foi apresentada a uma outra possibilidade: uma órtese biodegradável, leve e que poderia ser molhada e, até mesmo, usada em raio-x, já que é radiotransparente.

“A primeira visita da Nicole à praia foi possível graças à órtese. Se estivesse com o gesso, iríamos adiar o passeio. Higiene, sono e alimentação, que formam o tripé essencial para um bebê, foram ações cumpridas sem muita dificuldade com a Fix It. Foi uma boa solução e sou eternamente grata a essa inovação que permitiu que a gente tivesse um dia a dia mais tranquilo com o tratamento”, elogia Pablícia.

Trata-se de uma alternativa a um velho conhecido, o gesso

A leveza da órtese é proporcionada pelo material utilizado: o PLA (ácido polilático). Trata-se de um plástico derivado da fermentação do bagaço da cana-de-açúcar, do milho ou da beterraba. A diferença de peso entre o gesso e a órtese é de quase 4 quilos, o que já resulta em melhores condições a quem precisa ser imobilizado, além de ser à prova d’água.

Uma solução que coopera com a sustentabilidade

A matéria-prima da órtese tem o seu ponto alto no quesito sustentabilidade, já que é biodegradável, ou seja, pode ser decomposto ou destruído pela ação de agentes biológicos — basta deixá-lo em uma composteira, por exemplo, que em até 90 dias ele desaparece.

A goleada no placar vem na comparação entre a novidade e o gesso. “O descarte do gesso tem que ser feito por empresas específicas, e o material será enterrado, deixando o solo infértil, ou incinerado, poluindo o ar”, explica Felipe.

Filamentos desse grande aliado da sustentabilidade — o PLA — são colocados em uma impressora 3D para que a mágica aconteça. O software da Fix It insere os dados dos pacientes, com todas as medidas. Durante minutos ou horas, a máquina trabalha até que nasça o imobilizador. A peça sai plana da impressora e por ser termomoldável, quando aquecida fica maleável como um tecido, aí é só modelá-la de acordo com a anatomia do paciente.

O design, cheio de buraquinhos aleatórios, tem uma explicação: é uma imitação dos nossos ossos, que não são completamente preenchidos, possibilitando a distribuição de força. Isso se chama biomimética — o ato de usar uma característica da natureza e implementar em algo físico. “Usamos a criatividade do melhor engenheiro que existe para utilizar em nossas órteses”, completa Felipe.

A órtese tem o seu ponto alto no quesito sustentabi-
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Conquistando parcerias

Felipe conta que a ordem foi subvertida na criação da Fix it, em relação às dores que a startup resolvia. “Só sentimos a dor no mercado um pouco depois. A primeira dor sentida e validada foi a dor dos pacientes que usam gesso. Essa dor era evidente, só que não sabíamos se existia mercado para isso. Até porque era um mercado que não existia, teve que ser criado, e ainda está em constante validação porque é muito novo, é disruptivo total”, afirma.

Assim, foi preciso abrir caminhos e encontrar profissionais para disseminar o serviço. Quando o marido de Juliana Malvieira recebeu informações sobre a startup no WhatsApp, percebeu que não se tratava de uma mensagem qualquer.

Ele, ortopedista, e ela, fisioterapeuta, buscaram saber mais e se tornaram uma das empresas com acesso ao software, que transforma as medidas dos membros do paciente a serem imobilizados em um arquivo para impressão.

“Vimos um grande potencial. Acreditamos que quando um trauma acontece, os procedimentos aplicados devem ser os mais práticos, eficientes e confortáveis possíveis. Com os modelos tradicionais de imobilizadores isso não acontece”, conta a fisioterapeuta Juliana.

Uma das provas de fogo para a órtese foi o modelo impresso para o Wellington Izac. Ele sofreu uma queda enquanto brincava com o neto na quadra do condomínio. O primeiro reflexo antes de ir ao chão foi se apoiar com a mão. Com o impacto, sofreu uma fratura de rádio distal, traduzindo: quebrou a área do rádio próxima ao punho.

“Inchou e começou a ficar roxo na hora. Fui para o hospital e me engessaram até o ombro. Foram 10 dias com o gesso. Eu só conseguia dormir na rede ou na cadeira”, descreve Wellington.

No retorno ao médico, ele foi apresentado à órtese biodegradável e se animou com a ideia. No atendimento com a fisioterapeuta Juliana, até na hora da despedida o gesso causou sofrimento. “Na aplicação precisei serrar o gesso dele e demorou bastante, causou muita sujeira e incômodo”, explica a fisioterapeuta.

A órtese feita para ele foi a maior produzida até o momento: começava no punho, imobilizava o cotovelo e ia até a metade do antebraço. Mesmo com o tamanho da peça, assim que colocou, Wellington já sentiu a diferença.

“Foi um grande alívio. Só de não ter mais que enrolar o plástico filme no gesso para tomar banho eu já estava feliz, mas, além disso, a órtese me ajudou a seguir com a rotina de trabalho sem grandes prejuízos. Usei e indico para todo mundo”, enfatiza o empresário, que está na reta final da recuperação.

A imobilização do paciente é feita de forma muito rápida, em no máximo 5 minutos. “Os produtos ainda diminuem a produção de lixo hospitalar. A durabilidade das órteses é de três anos e elas podem ser remodeladas, em média, mais quatro vezes após a primeira aplicação”, complementa a fisioterapeuta. O tratamento também pode ser cerca de 17% mais rápido do que o método tradicional.

As órteses seguem desbravando o mundo

“Só sentimos a dor no mercado um pouco depois”

“Quando o Hospital Israelita Albert Einstein começou a usar nossas órteses pensei: ‘deu certo’!”, lembra o CEO e co-fundador, que foi espalhando a ideia por um raio cada vez maior.

A startup já chegou a todos os estados brasileiros, menos o Amapá. “Estamos também atuando ou em processo de implantação em outros países: Paraguai, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Venezuela e Suíça, Moçambique, Tanzânia e El Salvador”, afirma Felipe.

“O Uruguai merece holofote, já que o Ministério da Saúde do país vai levar a iniciativa ao sistema público. Na cadeia de custos, limpeza e descarte, o gesso fica praticamente o dobro do valor das órteses, por isso, já estamos em processo de implantação por lá”, complementa o CEO.

Com o modelo de licença em expansão, o desejo da equipe é que o acesso possa ser democratizado. “As talas gessadas foram inventadas há 700 anos e desde então usamos esse recurso arcaico. Estamos rompendo com isso. Hoje, somos o maior player da América Latina em soluções de imobilização articular em impressão 3D e, muito em breve, o maior não só nas Américas, como no mundo todo”, encerra o CEO.

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