O projeto Ecosurf foi criado para proteger o meio ambiente e conscientizar a população sobre o oceano merecer respeito e conservação...20 minutos de leitura
O projeto Ecosurf foi criado para proteger o meio ambiente e conscientizar a população sobre o oceano merecer respeito e conservação
Uma paixão pela água que passou de pai para filho. Assim começa a história do jornalista João Malavolta, fundador do projeto Ecosurf. Desde criança, João frequenta a praia de Itanhaém, no litoral paulista, com seu pai. Mesmo sem saber nadar, seu pai, João Benedito, acompanhava o filho no mar para brincar e pescar.
Com 41 anos, o surfista lembra que sua paixão pela causa ambiental começou com 17 para 18 anos e tudo surgiu com a sua experiência de vida, que mesmo depois de desbravar outros países, acabou voltando para a cidade que tanto ama.
“O despertar com a questão ambiental está baseado na experiência e na relação de pertencimento que eu tenho do lugar onde eu vivo basicamente a minha vida inteira”, ele conta.
Desde muito cedo, João também aprendeu a surfar quando seu pai o presenteou com uma prancha. A cidade era pequena, seus amigos na época também adoravam o esporte e ele foi aprendendo sozinho a surfar, criando essa conexão com o mar.
“O surf é muito mais que um esporte, é uma filosofia de vida que traz uma possibilidade de ter uma comunhão com o oceano, ter uma relação de interpretação do ambiente, clima e conhecer sobre maré e lua” – João Malavolta
Para o morador da segunda cidade mais antiga do Brasil, que tem um patrimônio ambiental muito rico e é a maior bacia hidrográfica costeira do litoral paulista, com um rio com mais de 122 km navegável, 4 praias, muita floresta, ilha costeira e manguezais, é espontâneo o despertar dos cuidados com essa paisagem e toda a natureza.
O que mais o entristece é a pressão que a cidade sofre com os passeios dos turistas, já que Itanhaém está a 120 km de São Paulo, uma grande metrópole.
“Um exemplo é a pandemia. Deu lockdown e eles (turistas) pegam o carro e vem pra cá. Não aprenderam o que é um isolamento”, conta.
A cidade do litoral tem dias calmos, mas as mudanças com as visitas começam já nas coisas simples, explica Malavolta.
“Estamos em uma cidade que anda a 8 km/h e eles vem andar a 80 km/h no final de semana. A cidade produz 100 mil kg de lixo em uma semana normal e na temporada 400 mil.”
Foi percebendo todos esses efeitos causados pela presença humana que o surfista resolveu mudar essa história. “Entendemos que precisamos cuidar do nosso quintal e começamos os mutirões de limpeza da praia”.
Na época, dois projetos foram referências para que o Ecosurf ganhasse vida: um acontece no Havaí e outro na Califórnia.
O Surfrider Foundation é desenvolvido há mais 35 anos e está localizado nos Estados Unidos; até hoje é uma grande inspiração. Após algum tempo de caminhada, a organização realizou o sonho e uma parceria foi feita.
O jornalista conta que após isso, mudanças aconteceram no projeto, no formato e no jeito de trabalhar. Mas um grande passo — também importante — foi estudar a educação ambiental.
Assim, foi possível entender que o meio ambiente é uma teia de relações complexas, muito maiores do que só realizar a limpeza das praias.
Em sua experiência, João fala que, desde o início, o foco foi colocar a “mão na massa”, mas faltava algo para que tudo desse certo: a parte administrativa. Com o tempo, ele conta que isso foi se desenvolvendo e hoje o posicionamento está bem mais definido.
Surfando a onda certa
A ideia da entidade nasceu durante um feriado em Garopaba. Enquanto andavam de Jeep, depois de conhecer diversos projetos, veio a ideia de Entidade Ecológica dos Surfistas de Itanhaém e a sigla EcoSurfi.
Com o crescimento das ações em outros estados e até em outros países, a sigla perdeu o I, para que não ficasse apenas na cidade.
Logo no início das atividades, a equipe foi procurada pelo surfista havaiano e músico, Jack Johnson. O artista criou uma plataforma onde cada turnê que ele faz ao redor do mundo, mapeia organizações que trabalham com ações como alimentação livre de agrotóxicos, combate ao plástico no oceano, entre outras coisas.
A primeira turnê do cantor pela América Latina fez com que sua equipe encontrasse o Ecosurf, em 2014. João foi convidado para participar em um espaço durante o show para comercializar os produtos, com tudo pago para ele e sua equipe, além de ganhar uma quantidade em dinheiro para ajudar nas ações.
Ao voltar para o Brasil, em 2017, Jack convidou novamente o projeto para desenvolver a mesma ação. Para o fundador, isso foi o começo do grande sucesso.
“É muito bacana isso porque as bandeiras que ele defende promovem o nome dele e promovem a gente como parceiros oficiais. Com isso, ele empresta a credibilidade que tem para as organizações também.”
A atuação da Ecosurf
Todo o movimento que acontece foi denominado “processo em rede” e é importante ter uma compreensão da dinâmica, já que ela expande e retrai. Em 2012, quando tudo começou, a equipe estava em qualquer encontro, como palestra, seminário e outras atividades que abordassem meio ambiente.
Após um tempo, olhando a Ecosurf como parte do movimento social e não como uma organização em uma caixinha, começou uma demanda e veio a dificuldade de saber como organizar uma franquia social.
Foi aí que João utilizou suas outras experiências de emprego para adaptar o projeto. Ao todo foram mais de 50 mil Kg retirados das águas nos últimos 20 anos, com algumas coisas bem inusitadas no meio disso tudo.
João conta que, durante uma limpeza no manguezal, encontraram um saco preto com forte odor. Ao abrir, viram uma perna humana. As forças de segurança foram acionadas e eles entregaram o pacote.
Em 2016, a Ecosurf já estava em:
Chegando em 2021, veio outra necessidade: a de se reinventar, já que o processo não funcionava mais e alguns pontos foram desativados. Atualmente continua ativo nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de Portugal e Estados Unidos.
Já no Marrocos, existe um projeto ligado ao grupo, mas com as redes sociais, compartilhando conteúdo.
Um novo modelo
Com o passar dos anos e das novas experiências acumuladas, a equipe mudou e as adaptações foram realizadas.
Ao falar de uma instituição como a Ecosurf, muita gente imagina que o fundador não precisa de remuneração ou que toda a ação precisa ser voluntária. Mas as pessoas esquecem que os custos precisam ser bancados.
“É uma atividade sem fins econômicos, mas para a sociedade trabalhar voluntariamente nessas ações a galera precisa beber e comer, tem aluguel, internet e por aí vai”, explica João.
Pensando em como continuar na caminhada, o surfista começou a procurar ajuda pública para o projeto Ecosurf; seja do governo, fundo privado ou concursos temáticos que envolvessem o meio ambiente.
Dentro desses concursos, por exemplo, o participante apresenta a proposta seguindo os valores estipulados pelo agente financiador e explica o que pode ser realizado.
Caso seja aprovado, a equipe tem um prazo para executar o projeto e apresentar um produto final. Caso não seja cumprido o prazo, é preciso refinanciar o processo ou conversar com os responsáveis pelo edital para negociar uma nova data.
Após esse processo, tudo começa novamente. “É muito louco porque você organiza tudo, traz pessoas e acaba o projeto. E você, na condição de gestor, fica sozinho novamente.”
Mas novas ideias continuaram aparecendo. O último sistema trabalhado foi uma consultoria ambiental para ajudar as empresas a desenvolver novos projetos e colaborar com a natureza.
“Sabemos que as empresas, muitas vezes, não conseguem produzir projetos e programas e, por isso, vendemos essas consultorias ou assessoramentos técnicos. Esse sistema tem sido importante nos últimos anos porque a causa dos oceanos está na pauta do dia.”
Um exemplo desenvolvido foi um selo para a Natura. Ele explica que esse tipo de ação traz valor para a marca e visibilidade. Além disso, durante o processo acontece uma troca.
“A gente empresta a nossa credibilidade e o nosso conhecimento para eles e a marca empresta pra nós o poder econômico”.
Um propósito maior do que a preservação do meio ambiente
João transparece que é um desafio muito grande trabalhar a transformação da cabeça das pessoas, ressignificar para elas o poder do consumo e do meio ambiente.
Sendo um dos integrantes do pacto global do plástico, onde estão indústrias, cidades e governos, ele explica que grandes empresas, como de refrigerantes, aceitam propostas para o futuro, mas não querem recuperar o que já foi danificado.
“Eles ficam trazendo mil coisas, mas tudo é tecnologia, acreditando que a tecnologia vai resolver todos os problemas do planeta. Mas a solução está dentro de cada um”
A frase “é preciso investir no ser humano” é muito dita por João Malvolta e resume o pensamento de que quando se investe nas pessoas, os resultados aparecem. Até porque, a poluição também tem a ver com a questão social.
Ele ainda dá um exemplo. “Se você chegar na favela da Rocinha e pedir qual a prioridade do cara, ele vai falar: comer, beber, pagar uma conta de luz e ter uma criança na creche. O social está muito dentro disso e a gente precisa cuidar das pessoas e, cuidando delas, elas podem cuidar do nosso planeta.”
Junto com o Instituto Aprender Ecologia, de Santa Catarina, está sendo criado um Programa Brasileiro de Reserva de Surf. O objetivo é fazer uma valoração da importância do que é um ecossistema de surf.
“Existe uma praia em Paresias, bem famosa, onde o Gabriel Medina foi campeão de surf. Lá toda a economia gira em torno da praia. Aquela praia representa porque tem uma onda muito especial e a menos de 60 km dessa onda, tem uma boia onde a Petrobras faz o transbordo de petróleo”, explica João
“Imagina se um dia essa boia estoura e essa onda acaba! Qual o impacto econômico por essa onda não existir mais? As pessoas não vão mais se hospedar, não vão mais consumir e comprar serviços”, ele conclui.
Do ponto de vista econômico, você cuidar de um território ativo ambiental gera ativo econômico. Isso é estratégico e importante.
Por isso, o Programa da Reserva de Surf tem como objetivo assegurar a preservação de ondas icônicas — que só acontecem em determinado local.
Investindo no próximo
Nathany Roberta Herrera Aguiar é um dos “frutos” que o projeto deu durante todo esse tempo de existência. Inspirada por sua tia, que é bióloga, desde os 10 anos ela participa das atividades ambientais mostrando a sua paixão.
Chegou a ficar algum tempo afastada, mas aos 18 anos, em 2016, ela começou a relembrar os tempos que viveu, viu suas amigas em ação e voltou para ficar.
Mostrando sua persistência e comprometimento, a jovem recebeu o cargo no estatuto como vice-presidente da Ecosurf. Com as novas responsabilidades e o mestrado, ela passou o cargo e assumiu então a coordenação da educação ambiental.
Acreditando em um futuro melhor para o mundo, Nathany está dedicando seu mestrado para melhorar o meio ambiente, com o tema “uso de floculante biodegradável para remediação de águas com a presença de microplástico”.
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