Localizada em Pitangueiras, a entidade sem fins lucrativos oferece atendimento gratuito para crianças e adolescentes portadores de necessidades ...23 minutos de leitura
Localizada em Pitangueiras, a entidade sem fins lucrativos oferece atendimento gratuito para crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais por meio da equoterapia, auxiliando nos aspectos motores, cognitivos e comportamentais
Quando um participante chega para uma sessão de equoterapia, ele vem ao encontro de seus mais novos amigos: os terapeutas, sendo o cavalo o principal deles.
A partir daí, seja sentado sobre o animal ou em pé ao lado, os corações desses protagonistas parecem se conectar e iniciar um ritual de aproximação, marcado pelo toque de carinho e cumplicidade.
Um verdadeiro processo de cooperação mútua, cujos resultados são os mais benéficos possíveis para quem deseja superar suas próprias dificuldades. E desta interação completa surgem efeitos capazes de sanar a mente e o corpo humano.
Este é o princípio básico dessa prática terapêutica que faz uso do cavalo como um verdadeiro “doutor da cura”.
Em consultórios a céu aberto, os praticantes — como são chamadas as pessoas que realizam a equoterapia — encontram a possibilidade de conhecer e experimentar sensações fundamentais para o desenvolvimento e evolução de aspectos motores, cognitivos e comportamentais.
E é justamente esse contato com a natureza, aliado ao trabalho de uma equipe profissional, que tem transformado a vida de várias crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais no município de Pitangueiras, em São Paulo.
A Equoterapia Sonho de Criança é uma entidade sem fins lucrativos que nasceu em 2019 a partir de um olhar social para a necessidade de famílias locais e também de cidades próximas. O seu grande diferencial são os atendimentos totalmente gratuitos, tendo em vista que esse tipo de terapia costuma apresentar um custo elevado — e muitas vezes inacessível — para os praticantes.
“Somos uma entidade mantida através da iniciativa privada, com o auxílio de campanhas e doações mensais de empresas. O município tem 160 anos e nunca teve esse tipo de atendimento”, conta Fabrício Liotti, gestor da Equoterapia Sonho de Criança.
“Enquanto secretário de Educação, no ano de 2012, recebia solicitações de mães de crianças autistas que precisavam da equoterapia, mas em busca do tratamento na região encontravam dificuldades como número de vagas, custos altos e distância. Desde então, decidi que, quando conseguisse, iria montar uma entidade totalmente gratuita para o município”, complementa o gestor.
Atualmente, a entidade sem fins lucrativos atende crianças e adolescentes entre três e 15 anos com alterações motoras e/ou psicológicas, e conta com uma equipe integrada, formada por:
Os atendimentos acontecem uma vez por semana com cada praticante e de forma individual, de acordo com cada caso e necessidade.
“Para participar, os pais precisam apresentar uma solicitação médica, porque temos um protocolo a cumprir e maneiras adequadas de atender cada paciente. Se algum deles tiver alguma restrição, por exemplo, a equoterapia tem que se adequar às suas necessidades”, explica a fisioterapeuta Aline Miranda.
Além da equipe terapêutica, a estrutura física é um fator determinante para o desenvolvimento da equoterapia e deve estar de acordo com as determinações da Associação Nacional de Equoterapia (Ande-Brasil).
Em função disso, a chácara onde a entidade está situada conta com uma pista de equitação de 40 metros, redondel, banheiros para portadores de necessidades especiais, calçadas e rampas de acessibilidade local, cocheiras, plataforma para cadeirante montar no cavalo, lavador de cavalos, quatro cavalos especiais para équo e sala de espera.
Relacionamento curativo que a equoterapia proporciona
O tratamento por meio da equoterapia é desenvolvido em diferentes fases, dependendo do tipo de necessidade especial da criança ou do adolescente.
“Nas entrevistas com os pais e para conhecer os praticantes, nós já começamos a pensar no cavalo que será ideal para cada um deles e que oferecerá a melhor dinâmica para que eles evoluam, conforme o objetivo individual de cada paciente. Depois disso, fazemos um planejamento para decidir quais metas alcançaremos com cada um deles. Essa avaliação é feita por toda a equipe terapêutica”, comenta a fisioterapeuta.
O cavalo é um animal que, devido à sequenciação dos passos, permite que o praticante montado fortaleça a musculatura e reestruture a sua postura. Isso é importante tanto para questões de déficit motor quanto emocional e intelectual.
O cavalo permite uma tomada de segurança por parte da criança, por meio do reequilíbrio constante em cima do animal. Sem contar o trabalho respiratório fundamental, pois, quando o cavalo dá um passo, o seu corpo acompanha o movimento do animal e se ritma com ele.
“Quando o praticante está montado no cavalo, ele recebe cerca de 180 oscilações por minuto na sua musculatura. Um paciente cadeirante, por exemplo, que não tem marcha dependente, quando ele monta no cavalo, seu corpo recebe os estímulos que são levados ao sistema nervoso central e voltam para a musculatura como se ele estivesse caminhando de forma independente. Estímulos que ele nunca receberia se não fizesse equoterapia”, evidencia Aline.
Nesse sentido, a aproximação entre o praticante e o cavalo é um momento determinante para a evolução do tratamento.
“Vamos mostrar para ele o ambiente — até porque ele é geralmente desconhecido para a maioria dos praticantes —-, as características do cavalo e começamos a inseri-lo dentro da vida do animal, ensinando os cuidados, manejo, os materiais utilizados para isso, os cuidados que a gente precisa ter, a alimentação, etc. Além disso, também trabalhamos com o encilhamento. Com isso a gente começa a direcionar as atividades de acordo com os objetivos”, explica.
Nos cuidados como escovação, higiene, banho e alimentação, é possível construir um vínculo com o animal. Ao sentir o calor, cheiro, textura, força, contração muscular e comportamentos, se estabelecem relações e estimulações sensoriais.
“Tem praticantes que necessitam da montaria e tem aqueles que nem chegam à montaria, mas que trabalham no chão, com alimentação, condução, cuidados e evoluem da mesma forma que aqueles que montam. Por isso que observamos a cada sessão qual atividade gera um ganho maior para o praticante. Em alguns casos, observar a alimentação e mastigação do animal já é uma atividade efetiva”, revela.
A equoterapia também possibilita uma maior socialização
Os benefícios da equoterapia, no entanto, vão além do físico. Na área da psicologia, os praticantes apresentam melhorias na socialização.
Isso porque o vínculo com o animal desperta o lado emocional das crianças e facilita a expressão de sentimentos. Assim, muito mais que um tratamento, a terapia com cavalos é uma troca de afetos.
“Um dos nossos praticantes tem autismo e o objetivo da mãe era que a criança fosse mais carinhosa. E hoje ela é, tanto que já abraça, beija, e isso foi construído com o cavalo. Ele construiu essa ligação afetiva com o cavalo e levou para casa, com as outras pessoas”, conta.
Outro ponto positivo é o fato de a equoterapia ser realizada em ambiente aberto, ou seja, suscetível a estímulos externos. Isso amplia o contato direto com o cavalo e o uso de materiais lúdicos terapêuticos potencializam os resultados benéficos ao participante.
“É muito diferente uma terapia entre quatro paredes e uma terapia aqui, onde tudo é lúdico para a criança. Aqui é o ambiente natural, com paisagem, animais e natureza. Elas se encantam de vir aqui pelo cavalos, pelo ambiente, por tudo o que elas presenciam”, reforça o gestor da entidade.
“Nós falamos que o cavalo é o terapeuta e nós somos os mediadores. Nós mediamos a terapia, mas quem trata mesmo são os cavalos”
“É algo esperado por eles porque a gente sempre preconiza a conexão daquele praticante com seu cavalo. Às vezes, o praticante chega, fala “bom dia” e já vai direto para o cavalo. Então aquele contato, aquela necessidade do cavalo, é um laço grande demais que se constrói e que auxilia muito na evolução. Nós falamos que o cavalo é o terapeuta e nós somos os mediadores. Nós mediamos a terapia, mas quem trata mesmo são os cavalos”, complementa a fisioterapeuta.
Na entidade sem fins lucrativos “Equoterapia Sonho de Criança”, o cavalo é o terapeuta!
Os cavalos são a parte principal dessa equação. Apesar de grandalhões, são eles que, desde o primeiro contato, traçam uma relação de amizade e afeto, criando um ambiente favorável que pode aliviar o estresse e gerar segurança, além de desenvolver novas formas de socialização, autoconfiança e autoestima no paciente.
Na Equoterapia Sonho de Criança, o Fast, a Emily, o Romance e a Princesa são os responsáveis por demonstrar o valor do desenvolvimento da mente e do corpo proporcionado por meio desse método terapêutico, provando que não se trata de uma simples prática de recreação.
Apesar de não haver uma indicação específica de raça para uso em equoterapia, algumas características se fazem necessárias na escolha do animal para as atividades.
“O cavalo tem que ser manso, dócil, calmo, confiante, ter uma andadura suave e ritmada, estar na idade adulta e, preferencialmente, castrado. Também deve ser um cavalo que aceita comandos de voz, sinais e sons diversos, que tenha adestramento bilateral. O cavalo é treinado para manter-se sempre em andadura ao passo, possuindo assim ciclos de movimentação semelhantes ao movimento de caminhar do homem”, pontua a fisioterapeuta.
O tratamento é indicado para pessoas de qualquer idade, mas se mostra uma terapia complementar muito importante em casos como:
Uma demanda crescente e constante
A prova de que o contato entre o ser humano e o animal é uma parceria transformadora está na lista de espera da entidade sem fins lucrativos, composta atualmente por 20 crianças e adolescentes.
Um número que, segundo o gestor da entidade, seria muito maior caso não houvesse o filtro de idade para os atendimentos.
“Se conseguíssemos expandir estrutura e equipe para atender também à área educacional, que envolve os déficits de aprendizagem, essa lista iria triplicar porque a demanda é muito grande”, afirma Fabrício.
Os profissionais atendem, atualmente, 24 crianças e adolescentes que podem realizar de um até dois anos de tratamento. O período é determinado para que as demais pessoas na lista de espera também tenham a oportunidade de realizar a equoterapia.
“Como tem praticantes que apresentam alterações contínuas, alguns deles voltam para a lista de espera. Ou seja, eles recebem alta após avaliação da nossa equipe, mas entram na lista de espera para ter novamente a oportunidade de seguir com a reabilitação. Alguns praticantes, na verdade, necessitariam dessa terapia para a vida toda”, destaca Aline.
Até hoje, mais de 50 pacientes já realizaram a equoterapia na entidade.
Desafios e avanços
A entidade também enfrenta os reflexos negativos da pandemia de Covid-19. Os atendimentos foram interrompidos entre março e novembro de 2020 e, consequentemente, as doações por parte das empresas parceiras também diminuíram.
Além disso, as ações realizadas para arrecadar fundos à instituição, como campanhas e eventos, ficaram limitadas em função do distanciamento social.
“Diante disso, nossa prioridade na parte financeira tem sido a folha de pagamento, que hoje está em torno de R$ 6 mil. Os cuidados com os cavalos e a própria limpeza do espaço ficam por conta da instância. Não podemos parar e estamos em busca de novos parceiros”, ressalta Fabrício.
Uma das expectativas dos profissionais é que a Equoterapia Sonho de Criança seja reconhecida como utilidade pública a partir do mês de julho deste ano e, com isso, passe a receber verbas públicas para a manutenção das atividades.
A partir disso, a intenção é ampliar a estrutura para, no futuro, conseguir atender todos os públicos.
“Dos praticantes que temos hoje, 20% teriam condições de pagar por essa terapia. Então o fato de a gente conseguir oferecer esse tratamento gratuitamente é muito importante e vemos os resultados: pais que são gratos e crianças que sentem prazer de estar aqui. Estamos transformando vidas”, enaltece.
Além do cuidado com quem tem necessidades específicas, a entidade também se preocupa com os familiares dos atendidos no local.
“Uma das nossas metas em ampliar a equipe é que alguns centros de equoterapia tem mais uma psicóloga para trabalhar com os pais. O trabalho com eles é muito importante porque, às vezes, o que a equipe trabalha com criança aqui, se os pais não derem continuidade em casa, não terá muito sentido. Hoje, a gente não tem equipe suficiente para fazer esse trabalho junto aos pais, mas é uma meta nossa também a ser alcançada”, sinaliza.
Saiba como participar!
Famílias com crianças e adolescentes que necessitam de equoterapia podem entrar em contato pelo telefone (16) 99128-7313 ou por meio das redes sociais da Equoterapia Sonho de Criança:
Os atendimentos são gratuitos para pessoas de todas as classes sociais, independente da renda.
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